INTRODUÇÃO

Displasia ectodérmica é uma síndrome que afeta as estruturas ectodérmicas, como pele, cabelos, dentes, unhas e glândulas1. Os indivíduos afetados apresentam uma aparência facial característica2, bem como sinais de hipotricose (diminuição do número de cabelos), hipoidrose (diminuição da transpiração) e hipodontia (diminuição do número de dentes)3, alteração na forma dos dentes, atraso na erupção e, em alguns casos, agenesia total4-5.O papel e o conhecimento do dentista pediátrico no processo de diagnóstico é de suma importância, pois a displasia ectodérmica apresenta um grau variável de manifestações clínicas precoces6. A síndrome da displasia ectodérmica compreende um grupo complexo de distúrbios7-8 com mais de 200 diferentes formas identificadas9. Mesmo assim, é considerada uma síndrome rara com freqüência estimada em 1: 100.000 nascimentos10, com preferência masculina na proporção de 5: 111 e as formas mais comuns de displasia são a síndrome hipohidrótica (também conhecida como síndrome de Clouston) e a síndrome anidrótica (síndrome Christ SiemenTouraine), porém a hipohidrótica apresenta maior gravidade. O que diferencia uma forma de doença da outra é o grau de alteração nas glândulas e a transmissão genética11. Os DE são causados por mutações de genes específicos12 ou pelo acoplamento cromossômico específico13. Na maioria dos casos, a síndrome tem caráter recessivo ligado ao cromossomo X6, e também pode ser transmitida como um cromossomo autossômico dominante4 ou autossômico recessivo14-15. Outras causas podem ser apontadas como: exposição à radiação ionizante, distúrbios endócrinos e neoplasias2,

Indivíduos afetados por DE apresentam manifestações clínicas e físicas variáveis². A displasia hipoidrótica é caracterizada pela tríade clássica: hipotricose (queda de cabelo), hipoidrose (diminuição da transpiração) e hipodontia (redução do número de dentes)3. A hipoidrose é a característica mais comum deste tipo de displasia e o que a diferencia da forma hidrofílica é a transpiração e as glândulas sebáceas e mucosas que apresentam funções normais11.

Devido ao reduzido número de glândulas sudoríparas presentes na forma hipohidrótica, o paciente afetado apresenta sudorese diminuída levando à hipertermia, com convulsões febris durante a infância, levando até mesmo ao comprometimento neurológico4 com retardo mental que pode ser observado em 30 a 50% dos casos16. O número de glândulas mucosas, sebáceas e salivares também pode estar alterado, resultando em secreções nasais espessas que podem desencadear o desenvolvimento de doenças respiratórias6 e também pele fina, lisa, transparente e seca, apresentando freqüentemente associação com dermatite atópica16 ou hiperqueratose na palma das mãos e na sola dos pés11 , bem como mucosa oral seca, xerostomia6.

O paciente também pode apresentar rinite atrófica (alguns não têm odor ou gosto), alterações oculares causando diminuição da lacrimejamento, conjuntivite, fotofobia16 e distúrbios auditivos (surdez total ou parcial), características que variam de um paciente para outro17. Devido à hipotricose presente em ambas as formas de displasia, o cabelo geralmente é leve, esparso e fino, parecendo fios de aço e falhando na região temporal18. Também podem ser observados cílios e sobrancelhas com diminuição dos pêlos do corpo19. As unhas podem ser distróficas, espessas e quebradiças19, mas raramente muito deformadas16,

Como se trata de hipodontia, isso pode comprometer a dentição decídua ou permanente, afetando principalmente os incisivos mandibulares, segundos molares inferiores e caninos superiores. Em alguns casos, a criança pode apresentar agenesia total na dentição decídua e permanente, mas com baixa frequência7,

As alterações dentárias ocorrem precocemente e devem ser detectadas na infância4. Múltiplos dentes ausentes e sua forma cônica e pontiaguda são características marcantes6, juntamente com o atraso da erupção5. Hipodontia pode levar a um desenvolvimento incorreto do processo alveolar, levando a uma diminuição da dimensão vertical, atrofia da crista alveolar, protuberância labial4 e comprometimento da alimentação18. Por outro lado, apesar das alterações dentárias, o crescimento ósseo maxilar desenvolve-se dentro da normalidade11,

A espessura do esmalte dentário dos pacientes é mais fina que a normal nas regiões incisal e oclusal e sua coloração pode variar do branco ao amarelo acastanhado e ainda apresentar manchas em algumas áreas (hipoplasias)2. Os dentes também podem sofrer abrasão, perda das cúspides, aumento do volume da polpa, apresentar cúspides pontiagudas e diâmetro da coroa reduzido em forma de barril ou amora. O rebordo alveolar é estreito, reduzido e em forma de lâmina de faca19. Pode haver retenção prolongada de dentes decíduos propensos à anquilose e dentes supranumerários17. O tamanho da raiz pode ser diminuído20 e a cárie aumentada16. Os indivíduos que apresentam essa síndrome têm um traço facial característico, muito semelhante entre si7, embora alguns apresentem apenas ligeiras anormalidades fenotípicas9. Dentre as características faciais podem ser destacadas: hiperpigmentação nas áreas periorbitárias e periorais, rugas finas e lineares11, hipoplasia no terço médio da face resultando em lábios salientes, orelhas baixas mal formadas, ponte nasal deprimida causando um aspecto nasal em forma de sela6. Outras características podem ser observadas como: a perda da dimensão vertical da face associada a fissuras ao redor da boca dando à criança uma aparência senil em uma idade precoce1, saliência frontal, face pequena4, hipotonicidade da musculatura perioral2 e baixa estatura19. No sexo feminino, as glândulas mamárias são geralmente hipoplásicas ou aplásicas11,

O diagnóstico da síndrome é essencialmente clínico e deve ser baseado na anamnese da paciente, bem como no exame radiográfico6. Na história fornecida pelo paciente, informações como a febre constante sem causa identificada e o comprometimento da transpiração11 durante os dois primeiros anos de vida, juntamente com a história familiar de características clínicas semelhantes, são essenciais e úteis para o diagnóstico da síndrome16,

O exame clínico e físico do paciente baseado nas características faciais facilitam o diagnóstico após a idade precoce11. Entretanto, no período neonatal, esse diagnóstico essencialmente clínico é prejudicado pelo fato de as características normais serem consideradas normais4. O exame radiográfico oral (radiografia panorâmica dos maxilares) mostrará a ausência de dentes permanentes6,

O exame histopatológico para biópsia da pele também pode ser útil no diagnóstico revelando uma epiderme achatada com diminuição do número de glândulas sebáceas e folículos capilares6 ou mesmo ausência de glândulas sudoríparas1.

O diagnóstico final pode ser esclarecido através de testes genéticos (mapeamento genético) que mostrarão a localização precisa da mutação e qual gene é responsável pela doença, uma informação essencial para o aconselhamento genético, a fim de evitar casamentos consanguíneos e antecipar cuidados médicos que possam ajudar a entender mecanismos e identificação das várias doenças causadas pelos genes9.

O paciente deve receber tratamento multidisciplinar21 incluindo diversas especialidades como Odontologia, Medicina (Pediatria, Dermatologia, Otorrinolaringologia, Genética, Neurologia, Oftalmologia, Ortopedia, Cirurgia Plástica, Fonoaudiologia, Psicologia, etc.)9. Os cuidados devem ser prestados na idade precoce do paciente, a fim de minimizar possíveis complicações odontológicas e médicas11 e assegurar um prognóstico mais favorável7. O tratamento odontológico é longo e deve ser constantemente adaptado ao desenvolvimento e crescimento infantil7. Entre os procedimentos de reabilitação bucal, pode-se citar: o uso de aparelhos removíveis, próteses fixas, próteses removíveis parciais com ou sem expansores, próteses totais para casos de anodontia total22-23, overdentures5, implantes osseointegrados após o término do crescimento da criança4, aparelhos ortodônticos, restaurações estéticas dos dentes que apresentem anormalidade de forma17. A fita de fibra de vidro e a resina composta também são uma opção para os mantenedores de espaço convencionais19,

A paciente deve ser seguida periodicamente até o crescimento ideal e o aparelho ou prótese instalada deve ser substituída4, de acordo com o crescimento da criança e até a sua reabilitação definitiva.